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MP-SP e Defensoria entram com ação contra prefeitura paulista por recolher livro que cita ex-vereadora Marielle Franco

G1 - com informações do G1

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Com informações do G1

07/09/2024 por Redação

Ação pede que prefeitura de São José dos Campos seja condenada a devolver livros para salas de leitura e pagar indenização por dano moral coletivo; administração municipal foi procurada pela reportagem, mas ainda não comentou o caso. Livro Meninas sonhadoras, mulheres cientistas
Reprodução/TV Vanguarda
Um livro escrito por uma juíza, distribuído em todo país, virou caso de justiça em São José dos Campos, no interior de São Paulo. Depois da queixa de um vereador, a prefeitura determinou, em junho, a retirada da obra “Meninas sonhadoras, mulheres cientistas” das salas de leitura da rede municipal de ensino.
Diante disso, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) e a Defensoria Pública entraram com uma ação na última sexta-feira (6) para que a Justiça determine o retorno dos livros a todas as salas de leitura das escolas municipais de São José dos Campos, de modo a se viabilizar sua utilização por alunos e professores a partir do 6º ano. E a fixação de multa diária de R$ 15 mil por dia de atraso, limitada a R$ 150 mil. O pedido determina como destino do recurso o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e dos Adolescentes de São José dos Campos (Fumdicad).
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Em julho, o Ministério Público de São Paulo já tinha avaliado que “a inutilização de material didático distribuído com dispêndio de recursos públicos, sem forte fundamento jurídico” poderia caracterizar ato de improbidade administrativa. E recomendou a devolução dos livros para as salas de leitura em até 15 dias. O pedido não foi atendido.
A Prefeitura de São José dos Campos foi procurada pela reportagem, mas a administração municipal informou que não comentaria o caso neste fim de semana. A reportagem será atualizada caso seja enviada uma posição.
O livro
Escrito por Flávia Martins de Carvalho, juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo e juíza auxiliar do Supremo Tribunal Federal, o livro foi lançado em 2022. A obra homenageia, a história de 20 mulheres, por meio de poesias.
Uma das homenageadas no livro é a antropóloga Débora Diniz. Outra, é a Marielle Franco, vereadora assassinada em 2018. O livro tem idade classificativa para crianças a partir de 3 anos.
Livro Meninas sonhadoras, mulheres cientistas
Reprodução/Editora Mostarda
Em São José dos Campos, a obra era utilizada por crianças a partir do 6º ano (11 ou 12 anos) e apenas em salas de leitura – ou seja, não fazia parte da rotina da sala de aula, como um livro didático.
Na ação, a promotoria de Justiça ouviu a assessora de política educacional da rede municipal de ensino, responsável pela curadoria dos livros para escolas públicas da idade. Ela disse que “no final de 2022, com base no currículo escolar e parecer da equipe pedagógica, a prefeitura adquiriu cerca de 100 exemplares do livro para utilização dos alunos a partir do 6º ano do ensino fundamental”.
A servidora afirmou ainda que a obra atende o disposto nas leis 10.639/2003 e 11.645/08, que tornaram obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena nas disciplinas dos ensinos fundamental e médio. E que a obra retrata a trajetória de mulheres cientistas e pesquisadoras, com linguagem própria para os alunos.
Marielle Franco ocupa duas páginas do livro, como todas as mulheres homenageadas. Uma página inteira é dedicada a uma ilustração do rosto da vereadora. Na outra página, uma poesia com sete estrofes. A primeira fala da trajetória:
“Nascida em uma favela
Filha da periferia,
Marielle é o nome dela,
Uma luz que ainda nos guia!”
Outra estrofe, cita o assassinato. Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram mortos em 14 de março de 2018. Segundo as investigações, os ex-policiais Élcio de Queiroz e Ronnie Lessa (preso em Tremembé) foram os autores. Em depoimento, eles apontaram como mandantes os irmãos Domingos Brazão, então conselheiro do Tribunal de Contas do Rio, e Chiquinho Brazão, vereador do Rio à época. Ainda de acordo com o inquérito, o delegado Rivaldo Barbosa ajudou a planejar o crime e atrapalhou as investigações. Diz o livro:
“Erraram os que pensaram
Que ela seria esquecida,
Pois Marielle é semente
Todo dia renascida”
Em junho, o vereador Thomaz Henrique (PL), partido de direita, discursou na Câmara Municipal contra a citação a Marielle Franco (PSOL), partido de esquerda, num livro utilizado em uma escola pública. Para ele, isso configura doutrinação ideológica. O político também se queixou sobre a citação a Débora Diniz, a quem classifica como uma defensora do aborto.
Débora Diniz é Doutora em Antropologia pela UnB, professora e pesquisadora visitante do Centro de Altos Estudos em Berlim, na Alemanha. Débora desenvolve projetos de pesquisa sobre bioética, direitos humanos, saúde e feminismo. Sobre ela, diz uma estrofe do livro:
Hoje, longe do Brasil
Defende com a razão
O direito de mulheres
Quererem ser mãe ou não
Isso tem um nome próprio:
Direitos reprodutivos
Em muitos lugares do mundo
Já não tapam os ouvidos
Quando as mulheres unidas
Dizem que vão decidir
O que fazer com os seus corpos
Sem o Estado intervir.
O livro foi recolhido pela prefeitura em junho. Segundo a gestão municipal, para uma “reavaliação”. A responsável pela curadoria dos livros para escolas municipais, ouvida pela promotoria, afirmou que compôs a comissão especial responsável por reavaliar o conteúdo da obra. Ela disse que o uso do livro não tem nenhuma conotação político-ideológica. E que Marielle é retratada por ser uma socióloga que contribuiu com mudanças importantes na área onde atuava.
Ainda de acordo com a ação, a servidora disse que a comissão concluiu que “a temática dos direitos reprodutivos, retratada na biografia de Débora Diniz, deve ser trabalhada a partir do oitavo ano. Feita essa ressalva, a obra poderia ser utilizada por todos os alunos a partir do sexto ano, sem qualquer restrição”. Ela afirmou que essa conclusão foi enviada aos superiores.
Já o município, de acordo com a ação, respondeu ao Ministério Público, no fim de agosto, que “esses livros resgatam suas contribuições nas áreas social e econômica, buscando atender as exigências das leis 10.639/03 e 11.645/08, as quais instituem como temáticas do ensino obrigatório de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena em todas as escolas brasileiras, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio”.
Livro Meninas sonhadoras, mulheres cientistas
Reprodução/TV Vanguarda
E que “diante da reavaliação do conteúdo dos exemplares, verificou-se que no texto ‘Débora e as Ciências Sociais’ há interferência ao tema ‘Processos reprodutivos’, o que foge à proposta das Leis acima citadas. Este tema é objeto de conhecimento estudado nos anos finais, conforme Currículo da rede de ensino municipal, Base Nacional Comum Curricular e no Currículo Paulista”.
O Departamento de Ensino Fundamental conclui então que os livros devem ser utilizados na Educação de Jovens e Adultos (que abrange uma faixa etária acima dos 15 anos), e que “a ausência desses volumes nas demais faixas etárias não configura prejuízo pedagógico, na medida em que o acervo das salas de leitura já contempla outros títulos que podem ser utilizados como alternativas pedagógicas para a idade do estudante”.
Para os promotores, a resposta da Secretaria de Educação está em desacordo com a conclusão da equipe técnica responsável pela reavaliação do livro. A ação fala em censura e pede que a justiça determine o retorno dos livros para todas as salas de leitura da rede municipal num prazo de 5 dias. E que a obra possa ser utilizada por alunos e professores a partir do 6º ano, conforme recomendação pedagógica que justificou a compra dos livros.
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